A economia japonesa e sua trajetória
- Liga de Mercado Financeiro ESALQ - USP
- 13 de out. de 2024
- 9 min de leitura
Introdução
No que tange a literatura sobre desenvolvimento econômico, o cenário japonês é tido como um dos casos mais brilhantes de industrialização tardia. Em linhas gerais, em menos de duas gerações (1868-1914), o Japão, país que contava com um relativo atraso em relação aos países ocidentais, tornou-se, já no início da Primeira Guerra Mundial, uma das grandes potências na arena política internacional.
Da revolução Meiji ao Imperialismo
Em 1868, ano em que se iniciou a Revolução Meiji, o país nipônico era habitado por cerca de 33 milhões de pessoas, dotado de uma economia agrícola com baixo nível de renda per capita, isolado do exterior e dominado por um regime feudal (shogunato Tokugawa) que estava sendo bastante contestado em seu cenário interno.
Durante essa época, o governo trabalhou para fortalecer o país e inseri-lo na economia mundial. Assim, abandonado o modelo feudal e instituído um modelo capitalista, neste período ocorreu a criação do Banco Central (Banco do Japão), a instituição do sistema financeiro, padrão monetário nacional - o iene - e os incentivos para que os zaibatsus fossem desenvolvidos, de modo que a industrialização fosse instaurada no país. Além disso, houve também a criação do exército nacional, investimentos em infraestrutura e educação, e o Japão aderiu à política imperialista na Ásia. Assim, ao final da Era Meiji, o país asiático já era um grande polo industrializado e desenvolvido.
O início da Primeira Grande Guerra, que marca o fim do período Meiji, alterou radicalmente esta trajetória. Em pouco tempo, o Japão se tornaria um credor líquido internacional e o principal exportador de manufaturados para a Ásia, tomando posições perdidas por fornecedores europeus, afastados desse mercado pelo conflito militar.
Da ocupação americana à liberalização comercial
O segundo período a ser analisado começou no período do pós-guerra e continua até hoje. Em um curto prazo, o período pós Segunda Guerra foi extremamente importante para a história recente das economias capitalistas. Durante os oito anos que se seguiram ao final da guerra, o mundo assistiu à implantação e à consolidação, sob a hegemonia dos Estados Unidos, das regras e das instituições que viriam, até os anos 1970/80, nortear as relações econômicas e financeiras internacionais.
Nesse contexto, o Japão é um dos casos mais notáveis de adaptação ativa a essa nova ordem. Os japoneses aproveitaram habilmente a oportunidade de se transformar de um inimigo derrotado (1945), na segunda potência industrial do mundo capitalista (1968).
Para se entender o processo que levou à reintegração do Japão, é necessário compreender esse período de mais de duas décadas em duas fases. A primeira se estende pelos anos em que os japoneses estiveram diretamente submetidos a um governo de ocupação norte-americano (1945-1953). A segunda compreende o período do "milagre econômico", que se inicia com a recuperação da independência e vai até a segunda metade dos anos 60, quando o Japão finalmente aceitou plenamente as regras comerciais que norteavam a concorrência entre os países desenvolvidos.
A fase da ocupação foi certamente o período mais difícil para a reinserção internacional do Japão. Ao final do primeiro semestre de 1945, a economia se encontrava em situação bastante precária. O esforço de guerra havia devastado as indústrias, moradias e instituições do país, fazendo com que o desemprego, a inflação e a fome aumentassem. Além disso, o projeto inicial dos norte-americanos era impedir que o Japão tivesse uma inserção favorável na nova ordem internacional. Parecia, assim, definitivamente enterrado o sonho de autonomia e soberania nacional que havia sustentado, desde a Revolução Meiji em 1868, o projeto nacional-desenvolvimentista.
A partir de 1947, com o acirramento da Guerra Fria e, posteriormente, com a Revolução Chinesa de 1949 e com a Guerra da Coréia, houve uma mudança radical no contexto geopolítico e na estratégia americana frente ao Japão. O projeto punitivo deu lugar a uma nova orientação: os japoneses deveriam poder operar sua economia, de acordo com as diretrizes da nova ordem internacional. Para os EUA, tornava-se importante estabilizar o mais rápido possível as economias atingidas pela guerra, evitando o contágio do "perigo comunista" nas fronteiras de seu império, mesmo que esses países fossem inimigos recentemente derrotados.
O programa de estabilização fez com que a inflação fosse rapidamente contida, ao mesmo tempo em que a estagnação tomava conta da economia. A abertura comercial, a despeito de a taxa de câmbio ter sido fixada de forma a garantir ampla margem de competitividade aos produtos locais, gerou, de imediato, elevados déficits, apesar de as exportações terem mais que triplicado sua participação na renda interna. Um clima pessimista tomou conta do país. Não fosse a maciça ajuda financeira americana, depois substituída por compras de suprimentos para as tropas envolvidas com a Guerra da Coréia, dificilmente o Japão teria escapado de um processo que levaria a uma pronunciada redução do nível de atividade interna e no aumento do desemprego e das falências.
Aproveitando-se da gravidade da situação, as autoridades japonesas conseguiram negociar com os americanos alguns pontos de extrema importância para o arranjo institucional que deu suporte ao crescimento acelerado dos anos 1950/60. A partir desse marco institucional, a reinserção do Japão na economia internacional foi realizada em condições defensivas tais que permitiram que o país, ao longo dos dez anos seguintes, apresentasse taxas de crescimento da ordem de 10% ao ano, sem desacelerações relevantes, ou seja, uma trajetória sem precedentes na história do país e das nações industrializadas para um período tão longo.
Esse "milagre econômico" foi obtido a partir de um contexto institucional no qual foi inicialmente importante a permissão para que os antigos zaibatsu pudessem se rearticular em grandes conglomerados, que incluíam grandes empresas industriais, comerciais (trading companies) e financeiras, chamados de keiretsu. A competição entre os grandes conglomerados tornou-se tão intensa e direta que foi chamada pela burocracia japonesa de "excessiva", fazendo com que o mercado interno se desenvolvesse.
A despeito dos choques do petróleo e da introdução de inovações organizacionais e de base eletrônica, as condições de inserção da economia japonesa no sistema internacional não se alteraram substancialmente até o início dos anos 80. O resultado foi a acumulação de mega-superávits comerciais, particularmente com os Estados Unidos, o que, em curto espaço de tempo, conduziu o Japão à posição de principal credor líquido do mundo. Isso implicou num crescimento extremamente acelerado no Japão, que em conjunto com diversas políticas monetárias de facilitação extrema de acesso ao crédito adotadas pelo Banco do Japão criaram uma bolha econômica formidável na década de 1980.
Economia japonesa na década de 1990
Em 1989 o Banco do Japão decidiu estourar essa bolha financeira por meio do estrangulamento do crédito, que vinha sendo de extremo fácil acesso desde o início dos anos 80. A medida utilizada fora o oposto da adotada no começo da bolha. O Banco do Japão pouco a pouco aumentou a taxa de desconto (utilizada para determinar o preço equivalente presente de um valor futuro) a partir do primeiro trimestre de 1989, quando era 2,5%, até 6% no começo de 1990.
O mercado de ativos japonês manteve um crescimento relativamente saudável, mesmo que mais lento, até que o Ministério das Finanças impôs regras limitando a disponibilização de empréstimos bancários para imóveis. Após chegar no seu pico de 38.915 pontos no começo de 1990, a Nikkei 225, que é a bolsa de valores japonesa, apresentou duras e prolongadas quedas, amplificadas pela decisão do Ministério das Finanças, perdendo aproximadamente 50% de seu valor nos 10 meses seguintes.
Nikkei 225 de 05/01/1990 a 01/10/1990. Fonte: TradingView
A rapidez da crise deixou em situação insolvente uma quantidade incontável de empresas e indivíduos que haviam se endividado para investir em ações, na expectativa de o mercado continuar sua tendência de alta.
No entanto, certos mercados como o imobiliário se mantiveram por um período mais extenso devido à atitude japonesa de não deixar os preços do terreno baixarem. Esse pensamento ganhou força devido às estatísticas, pois de 1955 a 1985 os preços médios de lote residencial no Japão multiplicaram 135 vezes, enquanto um investimento equivalente em depósito a longo prazo teria dado um retorno de 7 vezes. A bolha imobiliária estourou no começo de 1991, aproximadamente 6 meses após o mercado de ativos colapsar, fazendo com que os preços dos terrenos rapidamente caíssem.
Preço Médio de Terrenos no Japão. Fonte: Ministério da Terra, Infraestrutura e Transporte
Essa queda dos preços no país fez com que o crescimento da economia japonesa estagnasse, apresentando um crescimento médio de 1,5% entre 1990 e 1997. Este valor é menos da metade do crescimento médio na década anterior, que foi de 4%.
Em 1990 o Japão já havia se consolidado no mercado internacional com marcas de grande porte como Honda, Mitsubishi e Sony. Isso implicava para os investidores internacionais uma dependência da saúde do mercado japonês pois a estabilidade dos outros países era influenciada por isso, todavia a bolha econômica estourou e colocou em risco o sistema financeiro internacional.
A queda abrupta dos preços de bens japoneses significou para os bancos um aumento grotesco na quantidade de pessoas e empresas insolventes por conta das garantias terem perdido seu valor. Seguradoras também foram extremamente afetadas pois elas garantiam a seus clientes segurança em caso de eventuais prejuízos.
Por causa disso, a quantidade de capital improdutivo explodiu. O governo japonês afirmou, em 1995, que os créditos improdutivos ou sujeitos a reestruturação somavam um valor de US$ 400 bilhões, porém, fontes não oficiais apresentaram outro valor, de US$ 800 bilhões, que foi posteriormente reconhecido pelo governo.
De maneira um pouco irônica, a estratégia adotada pelo Banco do Japão para sair da recessão foi a mesma que colocou o país nessa situação. O governo aumentou consideravelmente seu gasto com investimentos públicos e aplicou diversas medidas de saneamento do sistema bancário. Simultaneamente baixou forçadamente a taxa de juros para níveis sem precedentes numa tentativa de frear um pouco as dívidas contraídas pelas empresas por conta da instabilidade econômica.
Situação atual do Japão e recuperação econômica
O iene também foi afetado substancialmente, tendo valorizado de 135 ienes/dólar (valor médio de 1987 a 1993) para 85 ienes/dólar na metade de 1995, porém chegando ao patamar de 146 ienes/dólar em agosto de 1998, uma desvalorização de aproximadamente 75% ao longo desse período. Após essa variação anormal, o iene apresentou uma estabilidade maior, ficando entre 105 e 125 ienes/dólar pela maior parte do tempo até 2008, quando a crise financeira mundial fez o iene valorizar lentamente até sua máxima histórica de 75 ienes/dólar, atingida no final de 2011.
Taxa de Câmbio USDJPY. Fonte: TradingView
Atualmente o Japão está numa situação peculiar, pois ainda não conseguiu se recuperar plenamente do estouro da bolha na década de 1990. Diversos indicadores apresentam uma diminuição, ou até mesmo uma estagnação, das taxas de crescimento quando comparados ao país antes de 1989.
Após o estouro da bolha nos anos 80 a taxa de desemprego disparou, quase triplicando ao longo de 10 anos, de 1992 até 2002, porém, ela vem voltando a taxas mais normais desde 2010, quando houve um novo pico de crescimento do desemprego.
Taxa de Desemprego do Japão. Fonte: TradingEconomics
Todavia os empregos criados após 2010 não aparentam ser sustentáveis a longo prazo. Pode-se perceber isso ao analisar o indicador de produtividade média, cuja estagnação o mantém no mesmo nível de 2004 sem indicação de voltar a subir.
Produtividade do Japão. Fonte: TradingEconomics
Essa estagnação da produtividade japonesa pode ser um dos motivos da diminuição do crescimento do PIB, quando consideramos preços constantes.
PIB Japonês a preços constantes de 2011. Fonte: TradingEconomics
De 1980 a 1992, no ápice do choque econômico, o PIB a preços constantes de 2011 cresceu aproximadamente 70%. Contudo, de 1992 até 2021, o PIB obteve uma taxa de crescimento aproximado de 30%, isso significa que ano a ano, o Japão diminuiu a taxa de crescimento anual média de 5% nos 12 anos anteriores a 1992 para 1% nos 29 anos posteriores.
O aumento do gasto governamental no começo dos anos 90 implicou também uma mudança severa no comportamento dos bancos, que diminuíram sua taxa de depósito interbancário para 0% (vale ressaltar que desde 2016 este valor está abaixo de 0%), apresentando uma curva quase exatamente oposta à da dívida do governo japonês. Isso significa que é mais rentável para os bancos comprar títulos públicos do governo japonês do que manter seus investimentos no setor privado.
Taxa de Depósitos Interbancários. Fonte: TradingEconomics
Dívida do Governo Japonês em % do PIB Nominal. Fonte: CEIC
Por fim, temos o M1, que é toda a moeda em poder público que não rende juros e tem liquidez imediata, que vem inflacionando a uma taxa mais elevada desde 2002, tendo aumentado mais ainda após a crise no Japão em 2011. Isso geralmente não é um bom sinal, estando presente em quase todos os casos de hiperinflação como no Brasil na década de 80. No Japão, esse aumento da base monetária, em conjunto com a diminuição da taxa de crescimento do PIB, aumento da dívida governamental e estagnação da força de trabalho pode significar o começo de um novo ciclo econômico.
M1 do Japão. Fonte: CEIC
Tenho algumas dúvidas, o que fazer?
Por ser uma breve explicação é comum que possam surgir dúvidas, ou até mesmo a curiosidade de aprofundar-se mais nesse tema, assim, ficamos a disposição para ajudá-los. Envie suas dúvidas no e-mail: ligalq@usp.br Vamos conversar!
Eduardo Seiji Yabiku e Felipe Queiroz
30/06/2021
Comentarios